segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Venda de CDs e DVDs piratas não é infração penal

A venda de CDs e DVDs pirateados não configura infração penal, pois é aceita pela sociedade e representa uma oportunidade profissional para pessoas que não são aceitas no mercado formal de trabalho. Criminalizar a conduta serve para a tutela de determinados grupos econômicos, permitindo o controle social. Essa foi a alegação utilizada pelo juiz Adegmar José Ferreira, titular da 10ª Vara Criminal de Goiânia, para absolver uma mulher acusada de pirataria após presa em flagrante com mais de 700 CDs e DVDs falsificados.
De acordo com o juiz, a negociação de CDs e DVDs falsificados não é vista pela população como algo criminoso ou mesmo imoral. Para ele, os discos pirateados são a única opção de inserção à cultura, uma vez que a alta carga tributária e o domínio do mercado pelas grandes gravadoras encarecem os produtos.
Apesar da prática ser ilegal, ele afirma que a conduta é repetida por toda sociedade. "O mais absurdo é que camadas mais elevadas da sociedade patrocinam o suposto crime em tela, diuturnamente, através da  “internet”, “iPods”, “iPhones” e outros", disse. O juiz também questiona se algum motorista já foi autuado durante abordagem policial por ter sido flagrado ouvindo música pirateada em seu carro.
Adegmar José Ferreira destaca também que as condutas imorais mais comuns entre os mais pobres são roubo, furto e falsificação, enquanto entre os mais ricos, as práticas têm penas mais brandas. Entre os exemplos por ele citados, estão crimes contra o meio ambiente e crimes tributários.
O juiz aponta também que alguns artistas consideram a pirataria como forma de propaganda à sua obra. Ele cita o exemplo do escritor Paulo Coelho, ter publicado em seu site uma edição pirateada do livro O Alquimista, o que teria garantido o sucesso da obra na Rússia.
O juiz da 10ª Vara Criminal de Goiânia cita precedentes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, do TJ do Mato Grosso e da Justiça do Acre, além do Tribunal de Justiça de São Paulo. A mulher foi absolvida com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, que prevê a absolvição quando o fato não constituir infração penal.
Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2013

domingo, 8 de setembro de 2013

DA REABILITAÇÃO DO CONDENADO NO PROCESSO CRIMINAL


A finalidade da reabilitação é restituir o condenado à condição anterior à condenação, apagando a anotação de sua folha de antecedentes e suspendendo alguns efeitos secundários dessa condenação (art. 93).
O parágrafo único do art. 93 estabelece que a reabilitação atingirá também os efeitos da condenação previstos no art. 92 (efeitos extrapenais específicos), vedada, entretanto, a reintegração no cargo, função, mandato eletivo e titularidade do pátrio poder, tutela ou curatela, nas hipóteses dos incisos I e  II do art. 92 mencionado.

REQUISITOS DA REABILITAÇÃO (art. 94)
a) que já tenham transcorridos 2 anos da data da extinção da pena, ou do início do período de prova no caso do sursis e do livramento condicional, que não tenham sido revogados;
b) que o sentenciado tenha tido domicílio no País durante esses 2 anos;
c) que durante esse prazo o condenado tenha dado demonstração efetiva de bom comportamento público e privado;
d) que tenha ressarcido a vítima do crime ou que demonstre a impossibilidade de fazê-lo, ou, ainda, que exiba documento no qual a vítima renuncie à indenização.

COMPETÊNCIA PARA CONCEDER A REABILITAÇÃO
A reabilitação só pode ser concedida pelo próprio juízo da condenação (por onde tramitou o processo de conhecimento) e não pelo Juízo das Execuções, vez que a reabilitação é concedida após o término da execução da pena.

RENOVAÇÃO DO PEDIDO
Nos termos do art. 93, parágrafo único, se o Juiz indeferir o pedido de reabilitação em razão da ausência de um dos requisitos, poderá o pedido ser renovado, a qualquer tempo, desde que sejam apresentadas novas provas.




REVOGAÇÃO DA REABILITAÇÃO
Conforme dispõe o art. 95, a reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por sentença transitada em julgado, exceto se houver imposição somente de pena de multa.

REABILITAÇÃO E REINCIDÊNCIA
A reabilitação não exclui a reincidência, cujos efeitos desaparecem apenas 5 anos após o cumprimento da pena. Assim, concedida a reabilitação (após 2 anos), o condenado terá direito à obtenção de certidão criminal negativa, mas a anotação referente à condenação continuará existindo para fim de pesquisa judiciária, para verificação de reincidência.


Da aplicação da pena - Art. 59 do CP (Circunstâncias Judiciais) - Do Sistema Trifásico

A aplicação da pena pelo Juiz ocorre, conforme determina o art. 68, do Código Penal (a partir de sua reforma, em 1984), em três etapas.
Na primeira delas, avaliam-se as circunstâncias chamadas "judiciais", constantes do caput, do artigo 59, do Código Penal: culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do sentenciado; motivos, circunstâncias e conseqüências da infração penal; e, ainda, comportamento da vítima. Fixa-se, assim, com alicerce nessa apreciação, a pena-base, que servirá de ponto de partida para a próxima fase.
Por ocasião da segunda etapa, o Juiz aumenta ou diminui a pena-base, conforme exista, in casu, alguma(s) circunstância(s) agravante(s), prevista(s) nos artigos 61 e 62 do Código Penal, ou atenuante(s), prenunciada(s) nos artigos 65 e 66 do mesmo codex, chegando, dessa forma, a uma pena provisória.
Finalmente, na terceira fase dosimétrica, partindo o Magistrado dessa pena provisória, aumenta-a ou a diminui, de acordo com a constatação da ocorrência de causa(s) especial(is) de aumento ou de diminuição da pena, previstas em diversos dispositivos da Parte Geral do Código Penal, e, ainda, nos próprios tipos penais. Determina, assim, a pena definitiva a ser cumprida pelo condenado.

Levando-se em conta que, no caso concreto, pode não haver circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem causas especiais de aumento ou de diminuição; mas, que, em todas as sentenças penais condenatórias, sem exceções, haverá que se analisar cada uma das oito circunstâncias judiciais (sob pena de nulidade da decisão), urge estabelecer quais os melhores critérios para examiná-las e, por conseguinte, obter-se a pena-base da forma mais justa possível.

JURISPRUDÊNCIA - CRIME DE BAGATELA - APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA

Processo:




Julgamento:
19/04/2010
Órgao Julgador:
2ª Turma Criminal
Classe:
Apelação Criminal - Reclusão


19.4.2010
Segunda Turma Criminal
Apelação Criminal - Reclusão - N. - Cassilândia.
Relator                    -   Exmo. Sr. Juiz Manoel Mendes Carli.
Apelante                 -   Ministério Público Estadual.
Prom. Just               -   Adriano Lobo Viana de Rezende.
Apelado                  -   Elias Pereira da Silva.
Def. Pub.1ª Inst       -   Mariane Vieira Rizzo.
E M E N T A           -   RECURSO MINISTERIAL -FURTO SIMPLES -ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA -APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -AGENTE COM AÇÕES EM ANDAMENTO -PRETENDIDO PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL -RECURSO IMPROVIDO.
Sendo a lesão causada à vítima de pequena monta, com parte da res furtiva devolvida, afasta-se a tipicidade da conduta, aplicando-se o princípio da insignificância.
As circunstâncias de caráter eminentemente pessoal não interferem no reconhecimento do delito de bagatela, uma vez que este está relacionado com o bem jurídico tutelado na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal.
A  C  Ó  R  D  à O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Campo Grande, 19 de abril de 2010.
Juiz Manoel Mendes Carli -Relator

RELATÓRIO
O Sr. Juiz Manoel Mendes Carli
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Estadual, irresignado com a sentença que, nos termos do art. 397, II do Código Penal, absolveu sumariamente Elias Pereira da Silva do crime incurso no art. 155, caput do mesmo codex.
Em suas razões às f. 68-83, o apelante sustenta que há provas suficientes da autoria e materialidade delitiva, bem como o não cabimento da aplicação do princípio da insignificância ao caso em comento, requerendo seja a sentença reformada, dando-se normal prosseguimento à ação penal.
Em contrarrazões às f.75-82, o apelado pugna pela manutenção da sentença objurgada, com improvimento do apelo.
A Procuradoria-Geral de Justiça às f.87-91, opina pelo improvimento do recurso.
VOTO
O Sr. Juiz Manoel Mendes Carli (Relator)
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Estadual, irresignado com a sentença que, nos termos do art. 397, II do Código Penal, absolveu sumariamente Elias Pereira da Silva do crime incurso no art. 155, caput do mesmo codex.
O presente recurso deve ser improvido.
Consta da denúncia (f.02-03), que o acusado Elias Pereira da Silva de Souza, no período vespertino do dia 01.04.2008, teria subtraído para si uma colcha de solteiro, duas toalhas de banho, um short masculino, duas camisetas masculinas cavadas e uma fralda da vítima Regiane Martins Silva, no valor de R$ 132,00. Apurou-se que o acusado era vizinho "de fundos" da vítima e subtraiu os objetos do varal da mesma. Consta ainda, que parte dos objetos de furto foram restituídos à vítima.
Compulsando os autos, observo que foi encontrado no quarto do apelado, uma toalha de banho que pertencia a vítima, não sendo localizados demais objetos mencionados na denúncia, bem como não há testemunhas presenciais do delito, mas sim indícios baseados em afirmações de terceiros, sendo a res furtiva de valor irrisório. Verifica-se ainda que o auto de avaliação de f. 09, fora feito de forma indireta, posto que dos objetos supostamente furtados pelo apelado, fora localizada uma toalha de banho, que foi apreendida e devolvida à vítima.
Diante do caráter fragmentário do Direito Penal moderno, segundo o qual se deve tutelar apenas os bens jurídicos de maior relevo, somente justificam a efetiva movimentação da máquina estatal os casos que implicam lesões de real gravidade.
É certo que o pequeno valor da res furtiva não se traduz, automaticamente, na aplicação do princípio da insignificância. Pois não se pode confundir o pequeno valor, com valor insignificante, que é aquele que causa lesão que, de per si , não tem qualquer relevo em sede de ilicitude penal.
No caso, o valor subtraído, R$ 132,00 (cento e trinta e dois reais), que não alcançando o valor de um salário mínimo da época (R$ 415,00) pode ser considerado ínfimo, ao se conjugar o dano ao patrimônio da vítima, com a periculosidade social da ação e o grau de reprovabilidade do comportamento do agente, posto que parte da res furtiva foi devolvida e a vítima não se trata de pessoa de parcas condições financeiras.
Nos termos da melhor jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se aferir o desvalor da ação, nada impede que a inexistência de lesão ao patrimônio da vítima seja considerada, em conjunto com os demais elementos fáticos, para apreciar a mínima ofensividade da conduta do agente e a inexpressividade da lesão jurídica provocada pela ação, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo tipo é o patrimônio da vítima que, a toda evidência, sofreu dano irrelevante.
Em caso de furto, para se considerar que a conduta do agente não resultou em perigo concreto e relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo bem jurídico tutelado pela norma, deve-se conjugar a inexistência de dano ao patrimônio da vítima com a periculosidade social da ação e o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente, elementos que estão presentes na espécie.
Com efeito, na hipótese em exame, embora a conduta do paciente - furto simples - se amolde à tipicidade formal, que é a perfeita subsunção da conduta à norma incriminadora, e à tipicidade subjetiva, pois comprovado o dolo da agente, não há como, na hipótese, reconhecer presente a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado, já que os bens furtados perfazem pequena monta, sendo parcialmente restituídos à vítima.
Confiram-se os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES TENTADO. VALOR ÍNFIMO DA RES FURTIVA. RESTITUIÇÃO À VÍTIMA. CONDUTA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL. CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Hipótese de furto de duas bermudas, avaliadas infimamente, integralmente restituídas à vitima, estabelecimento comercial que não logrou prejuízo algum, seja com a conduta do acusado, seja com a conseqüência dela, mostrando-se desproporcional a imposição de sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante. 3. Embora a conduta do paciente - furto simples - se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado. 4. A existência de circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de antecedentes criminais ou mesmo a reincidência, não é óbice, por si só, ao reconhecimento do princípio da insignificância. Precedentes. 5. Ordem concedida para absolver o paciente, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal, dada a atipicidade material da conduta a ele imputada. (STJ; HC 124.906; Proc. 2008/0285073-1; MG; Quinta Turma; Rel. Min. Jorge Mussi; Julg. 15/12/2009; DJE 08/03/2010).
HABEAS CORPUS. FURTO TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. MÍNIMO DESVALOR DA AÇÃO. VALOR ÍNFIMO DAS RES FURTIVA. IRRELEVÂNCIA DA CONDUTA NA ESFERA PENAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CORTE. RÉU PORTADOR DE MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. 1. A conduta perpetrada pelo Paciente - tentativa de furto de dois pares de óculos escuros e um litro de licor Amarula - insere-se na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela. 2. O furto não lesionou o bem jurídico tutelado pelo ordenamento positivo, excluindo a tipicidade penal, dado o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente, o mínimo desvalor da ação e o fato não ter causado maiores conseqüências danosas. 3. Conforme iterativa jurisprudência desta Corte Superior, o fato de o Paciente ostentar maus antecedentes não constitui motivação suficiente para impedir a aplicação do Princípio da Insignificância. 4. Ordem concedida para cassar o acórdão impugnado e a sentença de primeiro grau, absolvendo o Paciente do crime imputado, por atipicidade da conduta. (STJ; HC 148.863; Proc. 2009/0189479-2; MG; Quinta Turma; Relª Minª Laurita Hilário Vaz; Julg. 23/02/2010; DJE 22/03/2010)
PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. I - No caso de furto, a verificação da relevância penal da conduta requer se faça distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto. III - In casu, imputa-se ao paciente a tentativa de furto de 12 latas de refrigerante de valor irrisório. É de se reconhecer, na espécie, a irrelevância penal da conduta. Ordem concedida. (STJ; HC 140.931; Proc. 2009/0129120-9; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Felix Fischer; Julg. 03/12/2009; DJE 22/03/2010)
De outro norte, apesar de o paciente possuir duas ações em trâmite, consoante certidões de f.39-43, tal fato não impede reconhecer a irrelevância penal do fato. Ocorre que a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, evitando aplicar o inaceitável direito penal do autor, é no sentido de que as circunstâncias de caráter eminentemente pessoal não interferem no reconhecimento do delito de bagatela, uma vez que este está relacionado com o bem jurídico tutelado e com o tipo de injusto, e não com a pessoa do acusado.
Ressalte-se, portanto, que a aplicabilidade do princípio da insignificância no furto, para afastar a tipicidade penal, é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado (no caso o patrimônio) sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social.
Diante do exposto, com o parecer, nego provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Estadual, mantendo-se a sentença objurgada.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Carlos Eduardo Contar.
Relator, o Exmo. Sr. Juiz Manoel Mendes Carli.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Juiz Manoel Mendes Carli e Desembargadores Claudionor Miguel Abss Duarte e Romero Osme Dias Lopes.
Campo Grande, 19 de abril de 2010.





quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O direito de recorrer em liberdade na visão do STF




Com base no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República, que prescreve que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 4, em sessão realizada em 5 de fevereiro de 2009, reconheceu a réu condenado por tentativa de homicídio duplamente qualificado o direito de recorrer, aos tribunais superiores, em liberdade.
Referida decisão objetivou pôr termo a uma antiga discussão sobre a execução imediata da sentença condenatória na pendência de Recurso Extraordinário e Especial, dada a ausência de efeito suspensivo dos mencionados instrumentos processuais, fazendo com que os réus cumprissem antecipadamente a pena, o que levava parte da doutrina e da jurisprudência a considerá-la clara violação ao princípio da presunção de inocência.
É certo, no entanto, que a 1ª Turma do STF, no HC 90.645/PE, já havia se pronunciado no sentido de que essa espécie de execução não violaria o sobredito princípio, porém, tal orientação acabou por ser reformulada no HC 84.078, o qual foi impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que mantivera a prisão preventiva do paciente, sob o argumento de que os Recursos Especial e Extraordinário, em regra, não possuem efeito suspensivo.
De acordo com a nova linha de entendimento da Corte Suprema, transgride o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu (desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP). Dentre os argumentos esposados, afirma-se que:
(a) os artigos 105, 147 e 164 da Lei de Execução Penal seriam adequados ao preceito encartado no artigo 5º, LVII, da CF, sobrepondo-se, temporal e materialmente, ao disposto no artigo 637 do CPP, que preceitua que o Recurso Extraordinário não tem efeito suspensivo e, uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença;
(b) a execução provisória da pena privativa de liberdade violaria, além do princípio da presunção de inocência, o da isonomia, dado que as penas restritivas de direitos não comportariam execução antes do trânsito em julgado da sentença condenatória;
(c) o modelo de execução penal consagrado na reforma penal de 1984 conferiria concreção ao denominado princípio da presunção de inocência, constituindo garantia contra a possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, sanção ou consequência jurídica gravosa.
No entanto, esse quadro teria sido alterado com o advento da Lei 8.038/90, que estabeleceu normas procedimentais relativas aos processos que tramitam perante o STJ e o STF, ao dispor que os Recursos Extraordinário e Especial seriam recebidos no efeito devolutivo. A supressão do efeito suspensivo desses recursos seria reflexo de uma política criminal vigorosamente repressiva, instalada na instituição da prisão temporária pela Lei 7.960/89 e, posteriormente, na edição da Lei 8.072/90. (cf. Informativo n. 534 do STF)
Sobreleva aqui questionarmos a aplicabilidade do artigo 27, parágrafo 2º, da Lei 8.038/90 no processo penal.
Reza o mencionado dispositivo legal que os Recursos Extraordinário e Especial serão recebidos no efeito devolutivo. Diante disto, a doutrina majoritária sustenta que tais recursos careceriam de efeito suspensivo, o que significa dizer que a interposição quer do Recurso Especial, quer do Recurso Extraordinário, não obstaria a execução imediata do conteúdo da decisão jurisdicional; sendo possível, portanto, a execução provisória do julgado.
Tal entendimento, no âmbito do processo penal, deve, necessariamente, ser outro, em virtude das peculiaridades da relação jurídica material que constitui o seu objeto.
Ao apregoar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” e que “ninguém será privado da liberdade... sem o devido processo legal”, a Constituição Federal, artigo 5º, LVII e LIV, respectivamente, confere ao Poder Judiciário, mediante atividade jurisdicional, exercida nos parâmetros do devido processo legal, a exclusividade da tarefa de infirmar, em decisão passada em julgado, a inocência do acusado, até o momento tida como dogma. Demonstra, portanto, clara opção por um processo penal centrado no respeito à liberdade individual e à dignidade do ser humano, em contraposição ao sistema até então vigente, declaradamente inspirado no Código de Processo Penal italiano da década de 30, de orientação fascista.
A redação conferida pelo legislador constituinte ao dispositivo do artigo 5º, LVII (“ninguém será considerado culpado...”) privilegia o denominado princípio da presunção de inocência sob o enfoque da regra de tratamento que os agentes incumbidos da persecução penal devem adotar perante o acusado. Proíbe-se, nessa perspectiva, toda e qualquer forma de tratamento do sujeito passivo da persecução que possa importar, ainda que implicitamente, a sua equiparação com o culpado.
E não há dúvida de que a execução do conteúdo da condenação antes do seu trânsito em julgado apresenta-se como uma das maneiras de se realizar esse paralelo.
Assim, mesmo que, na espécie, se verifique a necessidade de submeter o acusado à prisão cautelar (provisória, instrumental e necessária aos fins do processo penal), ou de confirmar a já decretada (atos que devem, sob pena de nulidade, ser satisfatoriamente fundamentados), ao recurso deve ser conferido efeito suspensivo, pois os motivos do encarceramento em um e em outro caso não se confundem.
Esta prisão, qual seja, a lastreada na inexistência de efeito suspensivo de recurso possui natureza de pena privativa de liberdade, de sanção imposta a quem reconhecidamente praticou infração penal; em outras palavras, só pode ser, ou melhor, só poderia ser imposta a pessoa que já perdeu a condição de inocente, mediante decisão condenatória de natureza penal transitada em julgado. A prisão cautelar, por outro lado, funda-se na necessidade de se assegurar, mediante a privação do direito individual de liberdade, a eficácia da tutela jurisdicional a ser outorgada ao final do processo, sem que se questione a culpabilidade do investigado ou do acusado.
Desse modo, o simples acórdão condenatório não pode servir de fundamento idôneo para, por si só, demandar a custódia do paciente antes do trânsito em julgado. No entanto, a interposição do Recurso Especial e/ou Recurso Extraordinário não impede, em princípio, a prisão do condenado, desde que presentes os requisitos da prisão cautelar. Esta, por ser compatível com o mencionado artigo 5º, LVII e LIV, da Constituição Federal, é que pode ser imposta antes do trânsito em julgado, não a decorrente da regra do artigo 27, parágrafo 2º, da Lei 8.038/90, que, por expressa disposição legal, constitui execução provisória da condenação.


terça-feira, 3 de setembro de 2013

A aplicabilidade do Código Nacional de Trânsito no interior de condomínios particulares


  
                          O novo Código Nacional de Trânsito (Lei 9.503/97) tem o tema de sua aplicabilidade muito bem delineado em seus artigos 1º e 2º.

                                   O texto legal preconiza que o Código é aplicado ao trânsito de pessoas, animais ou veículos, nas vias terrestres abertas à circulação. O próprio Código ainda nomina as referidas vias terrestres, como sendo as ruas, avenidas, logradouros, caminhos, rodovias, estradas e passagens; fazendo, contudo, uma exigência, consistente na regulamentação por um dos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito que tenha circunscrição sobre aquela área determinada.

                         Ou seja, o uso das vias deve estar submetido à regulamentação de um organismo competente e vinculado ao S.N.T., pois, caso contrário, o Código não poderá ser aplicado.

                                  Diante disso, fica conturbada a questão relativa à aplicação das regras do Código aos incidentes ocorridos em condomínios fechados, uma vez que tais localidades são equiparadas às vias terrestres pelo mesmo Código (em seu art. 2º, parágrafo único); todavia é evidente que os condomínios fechados, na qualidade de propriedades particulares, não são subordinados a nenhuma entidade do Sistema Nacional de Trânsito.

                              Procedendo-se um exame não aprofundado das regras do C.N.T. e fazendo um cotejo com os princípios gerais do direito, se afigura mais lógico que os condomínios fechados não tenham suas relações de trânsito regidas pelo Código Nacional de Trânsito.
                            Como o condomínio fechado se constitui em uma propriedade privada e não se submete a nenhum organismo regulador de trânsito, não há como se conceber a aplicação das regras do C.N.T. às relações ocorridas em seu interior.

                         As infrações de trânsito ou até mesmo os crimes de trânsito não podem ocorrer dentro de localidades que não estejam vinculadas diretamente ao Sistema Nacional de Trânsito, pois caso contrário a aplicabilidade do Código seria apenas fictícia, pois inexistiria entidade capaz de fiscalizar e garantir a efetiva aplicação da lei.

sábado, 31 de agosto de 2013

Advogado não é bandido - Deterioração da advocacia só interessa a opressores


A nossa República, que já foi dos bacharéis num tempo em que aquela elite luminar dominava a cena política, hoje ressente-se pela conduta de indivíduos que se valem da condição de advogado para praticar toda sorte de crimes e imoralidades. Embora portando a insígnia de advogado, não o são, absolutamente. Não merecem o honroso título.
Ser bacharel em direito e inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil não é suficiente. O preenchimento desses dois requisitos da lei de forma alguma os capacita para serem advogados na acepção da palavra, que traduz conteúdo bem mais exigente. Temos de reconhecer: é preciso muito mais. Ética, bom nível intelectual e domínio do conhecimento jurídico são atributos inseparáveis do advogado, entre outras tantas qualidades que dele se pode esperar.
Contribuiu para o atual desgaste da profissão perante a opinião pública a indiscriminada abertura de faculdades de direito, que "despejam" bacharéis despreparados em um mercado de trabalho já saturado. Empresários do ensino transformaram cursos de direito em negócio altamente rentável, relegando a plano inferior o desenvolvimento dos estudantes.
A OAB, por seu turno, negligenciou na admissão de novos advogados, concedendo inscrição para quem não detinha condições de exercício condigno da profissão. A seccional paulista, todavia, vem praticando severa redução de aprovações. Ao mesmo tempo, a sociedade brasileira sofreu sensível empobrecimento ético e cultural, fenômeno, aliás, que colaborou para o decréscimo qualitativo do exercício de todas as profissões.
Esse conjunto de anormalidades gerou a má formação de um certo número, embora limitado, de profissionais da advocacia. É com eles que temos nos defrontado atualmente; pseudo-profissionais portando carteira de advogado e servindo-se dela para condutas nada compatíveis com o seu mister. Devemos repisar enfaticamente que esse não é o verdadeiro advogado, mas apenas alguém que se infiltrou na profissão para servir-se dela como álibi.
A imprensa diuturnamente alardeia essa indigência ética, expondo condutas estranhas à profissão ao escárnio popular. Aqui é preciso dizer que a mídia, por vezes, ao analisar condutas de advogados, também erra muito, ora por absoluto desconhecimento das questões jurídicas, ora por deliberada intenção de criar o sensacionalismo.
Nesse lastimável cenário, a advocacia inteira está sendo arrastada injustamente para uma situação de descrédito, passando a valer como regra o que jamais deixou de ser exceção. Em contraposição a tudo isso, existe um enorme contingente de homens e mulheres honrados, preparados, lutando, dia após dia, para demandar o direito do nosso povo.
Há nesse respeitável grupo, que representa a expressiva maioria dos advogados brasileiros, excelentes profissionais, de todos os matizes. Nenhum deles se verga ao autoritarismo nem compactua com o embuste. Impressiona ver como tantos e tão bons podem existir ainda agora. Atuam em toda parte, dos juizados especiais às cortes superiores, defendendo o que é justo, retirando o Direito dos livros para transformá-lo em uma experiência viva.
Antes de enxovalhar a totalidade da classe composta por profissionais corretos e dedicados, é preciso alertar a sociedade sobre o perigo que representa o enfraquecimento da advocacia para o Estado democrático de Direito. O advogado é quem necessariamente estabelece o elo entre o cidadão e o seu direito. Aquele que seja detentor de algum direito quase sempre necessitará da assistência de um advogado para guiá-lo diante do complexo conjunto de normas que asseguram o convívio social.
Apenas os Estados opressores têm interesse na deterioração da advocacia, porque, sem ela, quem haverá para reclamar direitos e exigir Justiça? Em períodos de ocaso democrático, a advocacia e suas organizações não retrocedem e sempre pontificam a luta por dias melhores, com paz social e garantias fundamentais. Ainda carece temer a retirada ou o desrespeito a suas prerrogativas, que servem ao livre e eficaz exercício da profissão, não a benesses pessoais.
As prerrogativas garantem a efetividade da advocacia, para que cada advogado possa ser útil aos legítimos interesses do cliente. Seria preciso mais espaço para o quanto ainda há de ser dito sobre o tema. Mas, por ora, o essencial é afirmar: advogados não são bandidos; bandidos não são advogados — nunca o serão!

por Antonio Ruiz Filho


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