19.4.2010
Segunda Turma Criminal
Apelação Criminal -
Reclusão - N. - Cassilândia.
Relator
- Exmo. Sr. Juiz Manoel Mendes Carli.
Apelante
- Ministério Público Estadual.
Prom.
Just
- Adriano Lobo Viana de Rezende.
Apelado
- Elias Pereira da Silva.
Def. Pub.1ª Inst
- Mariane Vieira Rizzo.
E M E N T
A -
RECURSO MINISTERIAL -FURTO SIMPLES -ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA -APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -AGENTE COM AÇÕES EM ANDAMENTO -PRETENDIDO
PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL -RECURSO IMPROVIDO.
Sendo a lesão
causada à vítima de pequena monta, com parte da res furtiva devolvida,
afasta-se a tipicidade da conduta, aplicando-se o princípio da
insignificância.
As circunstâncias de
caráter eminentemente pessoal não interferem no reconhecimento do delito de
bagatela, uma vez que este está relacionado com o bem jurídico tutelado na
espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de
incidência do direito penal.
A C
Ó R D Ã O
Vistos, relatados e
discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Turma Criminal do
Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas
taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Campo Grande, 19 de abril de 2010.
Juiz Manoel Mendes Carli -Relator
RELATÓRIO
O Sr. Juiz Manoel
Mendes Carli
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo
Ministério Público Estadual, irresignado com a sentença que, nos termos do
art. 397, II do Código
Penal, absolveu sumariamente Elias Pereira da Silva do crime
incurso no art. 155, caput do mesmo codex.
Em suas razões às f. 68-83, o apelante sustenta que
há provas suficientes da autoria e materialidade delitiva, bem como o não
cabimento da aplicação do princípio da insignificância ao caso em comento,
requerendo seja a sentença reformada, dando-se normal prosseguimento à ação
penal.
Em contrarrazões às f.75-82, o apelado pugna pela
manutenção da sentença objurgada, com improvimento do apelo.
A Procuradoria-Geral de Justiça às f.87-91, opina
pelo improvimento do recurso.
VOTO
O Sr. Juiz Manoel
Mendes Carli (Relator)
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo
Ministério Público Estadual, irresignado com a sentença que, nos termos do
art. 397, II do Código
Penal, absolveu sumariamente Elias Pereira da Silva do crime
incurso no art. 155, caput do mesmo codex.
O presente recurso deve ser improvido.
Consta da denúncia (f.02-03), que o acusado Elias
Pereira da Silva de Souza, no período vespertino do dia 01.04.2008, teria
subtraído para si uma colcha de solteiro, duas toalhas de banho, um short
masculino, duas camisetas masculinas cavadas e uma fralda da vítima Regiane
Martins Silva, no valor de R$ 132,00. Apurou-se que o acusado era vizinho
"de fundos" da vítima e subtraiu os objetos do varal da mesma.
Consta ainda, que parte dos objetos de furto foram restituídos à vítima.
Compulsando os autos, observo que foi encontrado no
quarto do apelado, uma toalha de banho que pertencia a vítima, não sendo
localizados demais objetos mencionados na denúncia, bem como não há
testemunhas presenciais do delito, mas sim indícios baseados em afirmações
de terceiros, sendo a res furtiva de valor irrisório. Verifica-se
ainda que o auto de avaliação de f. 09, fora feito de forma indireta, posto
que dos objetos supostamente furtados pelo apelado, fora localizada uma
toalha de banho, que foi apreendida e devolvida à vítima.
Diante do caráter fragmentário do Direito Penal
moderno, segundo o qual se deve tutelar apenas os bens jurídicos de maior
relevo, somente justificam a efetiva movimentação da máquina estatal os
casos que implicam lesões de real gravidade.
É certo que o pequeno valor da res furtiva não
se traduz, automaticamente, na aplicação do princípio da insignificância.
Pois não se pode confundir o pequeno valor, com valor insignificante, que é
aquele que causa lesão que, de per si , não tem qualquer relevo em
sede de ilicitude penal.
No caso, o valor subtraído, R$ 132,00 (cento e trinta
e dois reais), que não alcançando o valor de um salário mínimo da época (R$
415,00) pode ser considerado ínfimo, ao se conjugar o dano ao patrimônio da
vítima, com a periculosidade social da ação e o grau de reprovabilidade do
comportamento do agente, posto que parte da res furtiva foi
devolvida e a vítima não se trata de pessoa de parcas condições financeiras.
Nos termos da melhor jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, para se aferir o desvalor da ação, nada impede que a
inexistência de lesão ao patrimônio da vítima seja considerada, em conjunto
com os demais elementos fáticos, para apreciar a mínima ofensividade da
conduta do agente e a inexpressividade da lesão jurídica provocada pela
ação, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo tipo é o patrimônio da
vítima que, a toda evidência, sofreu dano irrelevante.
Em caso de furto, para se considerar que a conduta do
agente não resultou em perigo concreto e relevante, de modo a lesionar ou
colocar em perigo bem jurídico tutelado pela norma, deve-se conjugar a
inexistência de dano ao patrimônio da vítima com a periculosidade social da
ação e o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento do agente,
elementos que estão presentes na espécie.
Com efeito, na hipótese em exame, embora a conduta do
paciente - furto simples - se amolde à tipicidade formal, que é a perfeita
subsunção da conduta à norma incriminadora, e à tipicidade subjetiva, pois
comprovado o dolo da agente, não há como, na hipótese, reconhecer presente
a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do
resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico
tutelado pelo Estado, já que os bens furtados perfazem pequena monta, sendo
parcialmente restituídos à vítima.
Confiram-se os seguintes precedentes do Superior
Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. FURTO
SIMPLES TENTADO. VALOR ÍNFIMO DA RES FURTIVA. RESTITUIÇÃO À VÍTIMA. CONDUTA
DE MÍNIMA OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL.
CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Segundo a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância
tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma
periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. Hipótese
de furto de duas bermudas, avaliadas infimamente, integralmente restituídas
à vitima, estabelecimento comercial que não logrou prejuízo algum, seja com
a conduta do acusado, seja com a conseqüência dela, mostrando-se
desproporcional a imposição de sanção penal no caso, pois o resultado
jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante.
3. Embora a conduta do paciente - furto simples - se amolde à tipicidade
formal e subjetiva, ausente no caso a tipicidade material, que consiste na
relevância penal da conduta e do resultado típicos em face da significância
da lesão produzida no bem jurídico tutelado pelo Estado. 4. A existência de
circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de
antecedentes criminais ou mesmo a reincidência, não é óbice, por si só, ao
reconhecimento do princípio da insignificância. Precedentes. 5. Ordem
concedida para absolver o paciente, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal, dada a atipicidade material da
conduta a ele imputada. (STJ; HC 124.906; Proc.
2008/0285073-1; MG; Quinta Turma; Rel. Min. Jorge Mussi; Julg. 15/12/2009;
DJE 08/03/2010).
HABEAS CORPUS. FURTO
TENTADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. MÍNIMO DESVALOR DA
AÇÃO. VALOR ÍNFIMO DAS RES FURTIVA. IRRELEVÂNCIA DA CONDUTA NA ESFERA
PENAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CORTE. RÉU PORTADOR
DE MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. 1. A conduta perpetrada
pelo Paciente - tentativa de furto de dois pares de óculos escuros e um
litro de licor Amarula - insere-se na concepção doutrinária e
jurisprudencial de crime de bagatela. 2. O furto não lesionou o bem
jurídico tutelado pelo ordenamento positivo, excluindo a tipicidade penal,
dado o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente, o
mínimo desvalor da ação e o fato não ter causado maiores conseqüências
danosas. 3. Conforme iterativa jurisprudência desta Corte Superior, o fato
de o Paciente ostentar maus antecedentes não constitui motivação suficiente
para impedir a aplicação do Princípio da Insignificância. 4. Ordem
concedida para cassar o acórdão impugnado e a sentença de primeiro grau,
absolvendo o Paciente do crime imputado, por atipicidade da conduta. (STJ;
HC 148.863; Proc. 2009/0189479-2; MG; Quinta Turma; Relª Minª Laurita
Hilário Vaz; Julg. 23/02/2010; DJE 22/03/2010)
PENAL. HABEAS
CORPUS. FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. I - No
caso de furto, a verificação da relevância penal da conduta requer se faça
distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis,
implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante
(dada a mínima gravidade). II - A interpretação deve considerar o bem
jurídico tutelado e o tipo de injusto. III - In casu, imputa-se ao paciente
a tentativa de furto de 12 latas de refrigerante de valor irrisório. É de
se reconhecer, na espécie, a irrelevância penal da conduta. Ordem
concedida. (STJ; HC 140.931; Proc. 2009/0129120-9; SP; Quinta Turma;
Rel. Min. Felix Fischer; Julg.
03/12/2009; DJE 22/03/2010)
De outro norte,
apesar de o paciente possuir duas ações em trâmite, consoante certidões de
f.39-43, tal fato não impede reconhecer a irrelevância penal do fato.
Ocorre que a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, evitando
aplicar o inaceitável direito penal do autor, é no sentido de que as
circunstâncias de caráter eminentemente pessoal não interferem no
reconhecimento do delito de bagatela, uma vez que este está relacionado com
o bem jurídico tutelado e com o tipo de injusto, e não com a pessoa do
acusado.
Ressalte-se, portanto, que a aplicabilidade do
princípio da insignificância no furto, para afastar a tipicidade penal, é
cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado (no caso o
patrimônio) sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena
reprovabilidade e irrelevante periculosidade social.
Diante do exposto, com o parecer, nego provimento ao
recurso interposto pelo Ministério Público Estadual, mantendo-se a sentença
objurgada.
DECISÃO
Como consta na ata,
a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE,
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Carlos Eduardo Contar.
Relator, o Exmo. Sr. Juiz Manoel Mendes Carli.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Juiz
Manoel Mendes Carli e Desembargadores Claudionor Miguel Abss Duarte e
Romero Osme Dias Lopes.
Campo Grande, 19 de abril de 2010.
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